RECLUSOS CONDENADOS ESTUDAM E FREQUENTAM CURSOS PROFISSIONAIS
Condenado a oito anos de prisão, dos quais sete já cumpridos, por posse ilegal de arma de fogo que usava para assaltar pacatos cidadãos no bairro Catinton, em Luanda, Velasco António, de 32 anos, “Man Velas”, como é conhecido no bairro, está no Estabelecimento Penitenciário de Viana, onde aprendeu a costurar.
André da Costa | Jornalista
quinta-feira, 29 de maio de 2025
Foto: Adolfo Dumbo | Edições Novembro
Sentado e a trocar várias posições até ganhar o formato desejado, disse que o trabalho exige cuidado e paciência.
Na sala, com a dimensão de aproximadamente 20 metros quadrados, estão outros 120 homens, condenados e ex-reclusos que já cumpriram as penas de prisão e trabalham na fábrica de confecção de roupa existente no Pavilhão de Artes e Ofícios da Cadeia de Viana.
Velasco António já consegue fazer camisas, casacos, calções e camisolas, um trabalho que o ajuda no processo de ressocialização e futura reintegração na sociedade. Tem direito a uma remuneração como contrapartida.
A sua jornada laboral começa por volta das cinco horas. Depois da higienização da cela, cuida da higiene pessoal e por volta das sete horas, vai à fábrica, denominada Marav, onde trabalha na confecção de roupas, e larga às 17 horas. Lá tem as três refeições diárias.
Aos fins-de-semana, dedica-se à igreja, onde encontra consolo de pastores que ministram aulas bíblicas que o ajudam a moldar a sua conduta. “Só mesmo Deus para me ajudar neste momento difícil da vida”, disse.
Dia após dia, tudo faz para evitar confusão com os companheiros de cela, para não ser levado à cela disciplinar.
Arrependimento
O arrependimento mexe com o seu subconsciente, por isso, alega que quando ganhar a liberdade apenas vai querer trabalhar e dedicar-se à vida religiosa.
“Cometer crimes jamais, por envolver muito sofrimento, pelo que desaconselho outras pessoas a enveredar pela via do crime”, apelou.
Muanza Joaquim, de 34 anos, regressou ao estabelecimento penitenciário depois de já ter cumprido uma pena de prisão de dois anos e oito meses, que lhe foi aplicada em 2017, por assaltos à mão armada. Ganhou a liberdade em 2020. Na cadeia, aprendeu a costurar e ganhou emprego na fábrica, onde continua a trabalhar, mas já em liberdade.
Enquanto esteve preso, enfrentou situações que não pretende voltar a viver. Desde doenças como sarna, tuberculose e febre tifóide, que o deixou debilitado. As visitas por parte da família, que tinha paciência de levar comida, foram determinantes na sua recuperação.
Dificuldades
As dificuldades na cadeia, começam na qualidade da alimentação a que muitos não estão habituados.
Serafim Bastos, 30 anos, é uma prova disso. Ele diz que a solução encontrada “foi treinar o estômago para alimentar-se da comida feita na cadeia”. Inserido num dos Blocos, participava, à semelhança de outros companheiros, na higienização do espaço e de outras actividades colectivas como capinar e cozinhar. Ler um livro passou a ser um dos passatempos preferidos, enquanto ficava a reflectir sobre o crime que lhe levou à cadeia.
A maior frustração foi o abandono do lar pela mulher, seis meses depois de estar na cadeia, por assalto a uma residência. Por isso, cumpre quatro anos de prisão, dos quais metade já atingido. O pensamento está nos dois filhos que deixou, realidade que lhe retira a paz de espírito, como contou ao Jornal de Angola.
“Por vezes, fico sem sono de tanto pensar nos pequenos que estão com a minha irmã, que também não tem condições de vida. Hoje, arrependo-me de ter cometido o crime”, declarou.
Apesar da tristeza, dedica-se à formação académica, frequentando a 7. ª classe e diz que tenciona ser um bom serralheiro.
Benjamim Sapengo, de 56 anos, estatura baixa, esconde no seu sorriso tímido alguma frustração desde que foi detido.
Condenado a cinco anos por furto doméstico, passa o dia a trabalhar. Nunca pensou em ser costureiro, mas o tempo fez-lhe ganhar gosto pela nova profissão.
Recebe a visita dos filhos e da esposa. A saudade de ter a companheira por perto, em momento íntimo deixa-lhe muito triste. A lei carcerária impede-o de “matar saudades” com a mulher que diz amar loucamente. Sente que os dias passam lentamente. De noite, olha para as estrelas e imagina os momentos bons vividos no lar. A conversa com amigos de cela e com reeducadores ajudam-no a minimizar a dor que diz sentir, ao mesmo tempo que se mostra arrependido.
Os dois anos de cadeia permitiram fazer muitos amigos, com quem partilha histórias de vida. Sente um enorme desejo de recomeçar tudo de novo e tem esperança em encontrar um bom trabalho, depois de cumprir a pena, a julgar pelas formações feitas no estabelecimento prisional, como Serralharia, Corte e Costura, Pastelaria e Informática.
Filha única
Proveniente do Cuanza-Sul, quando soube que falaria para o Jornal de Angola, Antonieta Andrade, 29 anos, aceitou de forma espontânea. Sorridente e muito à vontade, vive arrependida por ter deitado abaixo uma amizade com a melhor amiga, a quem diz ter abusado da sua confiança.
Antonieta descaminhou milhões de kwanzas, depositados na sua conta para aquisição de residência numa das centralidades da capital.
Apesar da tristeza, aceita o erro e diz que a cadeia ajuda-a a repensar e a deixar o mau caminho que seguia, burlando outras pessoas.
“A cadeia tem-me ajudado a ser outra pessoa, por isso, jamais quero voltar a ser a mesma pessoa”, sublinhou.
De corpo forte e pele clara, Antonieta é amante da leitura, actividade para a qual dedica a maior parte do seu tempo, lendo livros de vários autores.
O seu quotidiano passa, também, pela coordenação de várias actividades com outras mulheres, incluindo actividades religiosas. Além da leitura, escreve com frequência as experiências vividas na cadeia. A formação em artes e ofícios tem sido uma constante, apesar de ser contabilista de profissão. Tem recebido visitas da mãe.
Cadeia vista por dentro
Quem entra na Cadeia de Viana encontra quatro jangos logo à entrada. As paredes pintadas a castanho reclamam por uma nova pintura.
Os reclusos compartimentados por blocos, de acordo com o crime cometido, andam de um lado para outro.
No quintal, observam-se reclusos a fazer vários trabalhos. Uns capinam, enquanto outros transportam materiais diversos.
O director de Assistência e Reabilitação Penitenciária, superintendente prisional Manuel Cunha, disse estar preocupado com a sobrelotação da cadeia, porque há mais entrada do que saída.
O director de Penas Alternativas e Reinserção Social, subcomissário prisional André Correia, apela ao bom comportamento dos ex-reclusos para evitar o seu retorno.
Histórias da ala feminina
De altura média, corpo forte e bem apresentada, Maravilha José, 25 anos de idade, veio do Huambo, transferida para a cadeia de Viana, depois de condenada a 13 anos por homicídio.
Mãe de dois filhos menores, foi abandonada pelos familiares desde os 12 anos. Cresceu, por isso, em casa de amigas. Guarda consigo traumas sofridos na infância, fase em que disse ter sido apelidada de feiticeira.
Por força das circunstâncias, caiu na prostituição e os filhos hoje vivem num lar de acolhimento para crianças desamparadas.
Os pais negaram a paternidade. Maravilha pensa nos filhos. A cada dia que passa, procura apagar vivências amargas em que predominaram castigos duros por ter sido considerada de feiticeira, tendo sofrido desprezo total da família. Hoje, continua a sofrer por traumas e outros males que ainda moram na sua mente, apesar do tempo.
O vazio provocado pelo abandono familiar é preenchido pelas colegas de cela, de quem recebe conselhos sempre que precisa. Com voz meiga, olhar penetrante, Maravilha disse que levanta às cinco horas e ajuda na limpeza do bloco, cuida da higiene pessoal e da alimentação.
Ocupa os tempos livres com formações de Pastelaria, Informática, arte de costurar e não só. Na cadeia, onde iniciou a formação académica, frequenta a 10. ª classe. Além das actividades académicas, também coordena o bloco de mulheres que se dedicam à actividade religiosa, em que é corista. Aprendeu a cantar músicas religiosas.
Mais de mil reclusos trabalharam na fábrica de confecção de vestuário
A sala está agitada com o trabalho. Cada um dos mais de 100 reclusos está sentado na sua máquina a costurar roupa.
O grupo está motivado com o trabalho que faz. O mais velho da sala, Samuel João, 61 anos, engoma uma calça que acabou de confecionar, ao passo que outros colegas arrumam as roupas em caixas apropriadas.
Ricardo Vaz é o director geral do Grupo Marav, empresa vocacionada na confeção de roupas em grande escala por encomenda. Os mais antigos cosem roupas com profissionalismo, garantindo assim o cumprimento dos prazos para a entrega das encomendas.
Há dez anos a trabalhar para o programa de reintegração social dos reclusos na Cadeia de Viana, Ricardo Vaz diz que muitos reclusos não tinham nenhuma profissão.
É na cadeia que aprenderam a fazer artigos têxteis como vestuário de trabalho, lenços e toalhas, batas para empresas de segurança, vestuários para os hospitais e uniformes escolares.
Os reclusos recebem, pelo trabalho, uma remuneração mensal, mais o prémio de produção, para além das três refeições diárias. Em dez anos de existência, mais de mil reclusos aprenderam a profissão de alfaiate.
Aprender a ler e a escrever na cadeia
A escola pública dentro do Estabelecimento Penitenciário de Viana é liderada pela inspector prisional Constância Benedito.
A infra-estrutura tem seis salas de aulas que acolhem 648 estudantes-reclusos condenados. Divididos em dois turnos, manhã e tarde, lecciona do ensino primário (Sistema de módulos) até à 12.ª classe, no curso de Ciências Económicas e Jurídicas.
Os estudantes são seleccionados pela direcção da cadeia e passam por uma triagem minuciosa, em que são testados para definir a classe a frequentar. O aproveitamento académico tem sido satisfatório, existindo estudantes com notas excelentes.
O segundo trimestre deste ano começou com 162 homens e 78 mulheres, distribuídos em todas as classes, com idades entre 16 e 65 anos. O mais velho da escola frequenta a 9.ª classe, ao passo que o mais novo, com 16 anos, estuda a primeira classe, no sistema de módulos.
A escola resulta de um convénio entre os Ministérios do Interior e da Educação, que se responsabiliza pela área pedagógica e assegura o material pedagógico.
Assistência psicológica
A inspector prisional Rosa Florinda Mateus, chefe da Área de Assistência Psicossocial das reclusas internadas no Estabelecimento Feminino de Viana, explica que tem velado pela saúde mental das reclusas, juntamente com outras colegas. As reclusas são acompanhadas desde a fase de adaptação até à sua inserção na rotina prisional.
Segundo a inspector prisional, há reclusas com diagnóstico de esquizofrenia paranoide, transtornos bipolares, depressão, traumas e ansiedade.
As avaliações da personalidade, o acompanhamento dos conflitos emocionais que algumas transportam de casa ajudam a orientá-las a enfrentar o processo reabilitativo, como a aceitação da situação carcerária.
A assistência psicológica é extensiva aos familiares das reclusas para o apoio moral, psicológico e emocional para evitar que algumas pessoas abandonem os familiares na cadeia, como acontece muitas vezes, impactando negativamente na sua reabilitação e reintegração social.
A aplicação de técnicas adequadas de acordo com a realidade de cada reclusa acaba por facilitar o processo reabilitativo. “Em algumas situações, a recuperação é imediata, como nos casos de crises de ansiedade e transtorno de personalidade”, disse a inspector prisional Rosa Florinda Mateus.
A recuperação das reclusas com depressão grave leva muito mais tempo.
As reclusas com crise de transtornos mentais são encaminhadas para o Hospital Psiquiátrico, onde são medicadas e acompanhadas.
Em caso de soltura, os familiares são chamados a proceder ao acompanhamento, consoante a gravidade da situação.
Abandono familiar, dificuldades sociais, traumas, crenças religiosas e místicas são as queixas mais comuns apresentadas pelas reclusas, que encontram alívio depois das sessões de aconselhamento.
Fonte: Jornal de Angola
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